Um ano a balançar
Jornalista: Bem vindos ao já habitual comentário de Mauro Tristão, o nosso pessimista de serviço. Hoje à distância, já que Mauro Tristão ausentou-se do país devido às festas, mas vamos tentar entrar em contacto com ele. Mauro, está a ouvir-me?
Mauro Tristão: Cof! Cof!...
J: Mauro Tristão?
MT: Cof! Arghh! Arrerre! Cof! Cof! Aarrgh! Argh! Cof…
J: Bom parece que há alguma interferência na comunicação…
MT: Diga, homem, cof, diga, isto é só uma tosse. Arrghrgsh… Shht…
J: Desculpe mas pelo barulho parecia mesmo alguém a morrer.
MT: Sou eu que estou a morrer.
J: Mas está doente?
MT: Muito doente, muito doente.
J: Isso é que é pior…
MT: Já estava doente e agora fiquei pior. Recebi os exames…
J: E passou de ano ou está mesmo doente?
MT: Engraçadinho… Tenho estado doente. Muito doente. Mas agora chegaram os exames médicos e afinal diz que não é nada… Estas bestas nem conseguem encontrar o meu problema, enfim… médicos…
J: Não fique assim abatido, da forma como o costumo ver fumar, estou certo que não durará muito.
MT: Acha?
J: Acho.
MT: Mas acha o quê? Meta-se na sua vida. Eu não lhe confiava nem a minha vida, quanto mais a morte. Cof, cof! Não tem mais nada para me perguntar? Se não tem, acaba-se com isto que eu tenho mais que fazer.
J: Não precisa irritar-se. Imagino que, apesar de estar doente, aí em Porto Alegre terá muito que fazer…
MT: Qual Porto Alegre, estou em casa, em Lisboa. Fiquei doente e não fui a lado nenhum. Passei o Natal na cama com febre e só me levantei para vir falar consigo por esta coisa…
J: Coisa? Pelo computador?
MT: Sim. Despache-se homem, despache-se que estar em frente destas máquinas dá-me comichões nas partes pudibundas.
J: Ok. Ok. Vamos já passar ao que interessa, às boas notícias. Não sei se antes de mais, quer fazer um comentário à mensagem de Natal do primeiro-ministro ou…
MT: Isso são coisas sem interesse nenhum. Ainda se o país se estivesse a afundar numa crise… Isso sim, seria uma boa notícia para mim.
J: Mas o país está a afundar-se numa crise, Mauro…
MT: Mas não é assim tão grave… Não é que o mundo esteja numa crise devastadora…
J: Desculpe mas o mundo atravessa a pior crise desde 1930!
MT: Ah! Você diz isso só para me animar…
J: Estou a falar a sério.
MT: Seja como for, já me animou.
J: Na verdade, hoje em dia parece só nos restar a esperança de um futuro melhor…
MT: Essa é boa. A Esperança…
J: A Esperança é a última a morrer…
MT: E não acha isso estranho?
J: O quê?
MT: Que morra toda a gente e só fique a Esperança?
J: Estranho? Não. É uma expressão que se usa…
MT: Sabe porque é que a Esperança é a última a morrer? Sabe?
J: Bom, porque é um…
MT: A Esperança é que é a assassina. Ela mata toda a gente primeiro. Sabe o que eu costumo dizer? Quando já só resta a Esperança o melhor mesmo, é uma pessoa pôr-se a caminho da outra margem, parar o carrinho a meio da ponte sobre o Tejo, fechar o carrinho, dizer adeus e saltar lá de cima. A Esperança… A única Esperança que conheci na vida, vim a descobrir que era um travesti e nunca mais acreditei em nenhuma.
J: Estou a ver… Como este é o último comentário do ano, não sei se quer fazer um balanço do ano?...
MT: Confesso que não foi um mau ano.
J: Diz isso por causa de derrocada do sistema financeiro, da crise mundial, do sismo da China…
MT: Digo sobretudo porque finalmente este ano acabaram as obras no meu prédio e finalmente posso dormir a sesta em paz e não ter o desprazer de encontrar aqueles homens horríveis nas escadas…
J: Está a falar dos pedreiros?
MT: Dos trolhas, aquilo são trolhas. Há pedreiros muito decentes. Mas isto são trolhas que se embebedam antes das onze da manhã e blasfemam o resto da tarde.
J: Mas em termos nacionais não encontra nenhuma boa notícia que nos dê alguma esperan… quer dizer, alento?
MT: A nível nacional? Não.
J: Imagino que o facto de 2009 poder ser um ano muito pior que este ano de 2008, já o anime.
MT: Tenho dúvidas. Isso foi o que o primeiro-ministro disse, mas o homem está farto de prometer e não cumprir. Ele farta-se de mentir e a mim parece-me que essa história de 2009 ser um ano mau não passa de uma mentira.
J: Mas com que objectivo o primeiro-ministro iria pintar um cenário negro?...
MT: Para assustar as pessoas. Não se esqueça que para o ano há eleições legislativas e a ideia é dizer às pessoas que as coisas estão tão mal, tão mal que elas devem ter medo. E os portugueses com medo costumam votar em quem lá está, por medo de mudança.
J: Bom, parece-me algo exagerado… Então acha então que o próximo ano vai ser melhor que este?...
MT: Não me parece.
J: Mas…
MT: Acho mesmo que vai ser um ano péssimo. E em termos nacionais, muito francamente se pedir a minha opinião eu acho que a única solução era fazer o inventário, fechar o país e entregá-lo aos credores, obviamente. E quanto mais depressa melhor porque como sabe nas falências se a coisa não for grave, os credores ainda podem manter-nos a laborar durante algum tempo. Porque se for grave, somos todos despejados e eu pessoalmente não tenho para onde ir...
J: Isso parece-me muito exagerado. E em termos internacionais?
MT: Aí estou mais optimista.
J: A sério?
MT: Sim, acho que a situação pode piorar muito.
J: Você engana-me sempre, sou muito ingénuo.
MT: Não seja convencido. Ingénuo?! Isso é um eufemismo, você é mesmo é parvo.
J: Nem tanto. Mas pode piorar como?
MT: Uma coisa lhe posso dizer com alguma certeza e mesmo com alguma desilusão: o mundo não vai acabar em 2009. Mas vai andar lá perto e isso é um motivo de orgulho para todos nós.
J: Bom e foram os votos para o novo ano de Mauro Tristão. Bom ano também para si Mauro, até para o ano.
MT: Bom ano para si, embora muito francamente eu não sei se você se vai aguentar para o ano. Mas quem sou eu para fazer previsões?!... Não é?...