31.12.08

Um ano a balançar

Jornalista: Bem vindos ao já habitual comentário de Mauro Tristão, o nosso pessimista de serviço. Hoje à distância, já que Mauro Tristão ausentou-se do país devido às festas, mas vamos tentar entrar em contacto com ele. Mauro, está a ouvir-me?
Mauro Tristão: Cof! Cof!...

J: Mauro Tristão?

MT: Cof! Arghh! Arrerre! Cof! Cof! Aarrgh! Argh! Cof…

J: Bom parece que há alguma interferência na comunicação…
MT: Diga, homem, cof, diga, isto é só uma tosse. Arrghrgsh… Shht…

J: Desculpe mas pelo barulho parecia mesmo alguém a morrer.
MT:
Sou eu que estou a morrer.

J: Mas está doente?
MT:
Muito doente, muito doente.

J: Isso é que é pior…
MT:
Já estava doente e agora fiquei pior. Recebi os exames…

J: E passou de ano ou está mesmo doente?
MT:
Engraçadinho… Tenho estado doente. Muito doente. Mas agora chegaram os exames médicos e afinal diz que não é nada… Estas bestas nem conseguem encontrar o meu problema, enfim… médicos…

J: Não fique assim abatido, da forma como o costumo ver fumar, estou certo que não durará muito.
MT:
Acha?

J: Acho.
MT:
Mas acha o quê? Meta-se na sua vida. Eu não lhe confiava nem a minha vida, quanto mais a morte. Cof, cof! Não tem mais nada para me perguntar? Se não tem, acaba-se com isto que eu tenho mais que fazer.

J: Não precisa irritar-se. Imagino que, apesar de estar doente, aí em Porto Alegre terá muito que fazer…
MT:
Qual Porto Alegre, estou em casa, em Lisboa. Fiquei doente e não fui a lado nenhum. Passei o Natal na cama com febre e só me levantei para vir falar consigo por esta coisa…

J: Coisa? Pelo computador?
MT:
Sim. Despache-se homem, despache-se que estar em frente destas máquinas dá-me comichões nas partes pudibundas.

J: Ok. Ok. Vamos já passar ao que interessa, às boas notícias. Não sei se antes de mais, quer fazer um comentário à mensagem de Natal do primeiro-ministro ou…
MT:
Isso são coisas sem interesse nenhum. Ainda se o país se estivesse a afundar numa crise… Isso sim, seria uma boa notícia para mim.

J: Mas o país está a afundar-se numa crise, Mauro…
MT:
Mas não é assim tão grave… Não é que o mundo esteja numa crise devastadora…

J: Desculpe mas o mundo atravessa a pior crise desde 1930!
MT:
Ah! Você diz isso só para me animar…

J: Estou a falar a sério.
MT:
Seja como for, já me animou.

J: Na verdade, hoje em dia parece só nos restar a esperança de um futuro melhor…
MT:
Essa é boa. A Esperança…

J: A Esperança é a última a morrer…
MT:
E não acha isso estranho?

J: O quê?
MT:
Que morra toda a gente e só fique a Esperança?

J: Estranho? Não. É uma expressão que se usa…
MT:
Sabe porque é que a Esperança é a última a morrer? Sabe?

J: Bom, porque é um…
MT:
A Esperança é que é a assassina. Ela mata toda a gente primeiro. Sabe o que eu costumo dizer? Quando já só resta a Esperança o melhor mesmo, é uma pessoa pôr-se a caminho da outra margem, parar o carrinho a meio da ponte sobre o Tejo, fechar o carrinho, dizer adeus e saltar lá de cima. A Esperança… A única Esperança que conheci na vida, vim a descobrir que era um travesti e nunca mais acreditei em nenhuma.

J: Estou a ver… Como este é o último comentário do ano, não sei se quer fazer um balanço do ano?...
MT:
Confesso que não foi um mau ano.

J: Diz isso por causa de derrocada do sistema financeiro, da crise mundial, do sismo da China…
MT:
Digo sobretudo porque finalmente este ano acabaram as obras no meu prédio e finalmente posso dormir a sesta em paz e não ter o desprazer de encontrar aqueles homens horríveis nas escadas…

J: Está a falar dos pedreiros?
MT:
Dos trolhas, aquilo são trolhas. Há pedreiros muito decentes. Mas isto são trolhas que se embebedam antes das onze da manhã e blasfemam o resto da tarde.

J: Mas em termos nacionais não encontra nenhuma boa notícia que nos dê alguma esperan… quer dizer, alento?
MT:
A nível nacional? Não.

J: Imagino que o facto de 2009 poder ser um ano muito pior que este ano de 2008, já o anime.
MT:
Tenho dúvidas. Isso foi o que o primeiro-ministro disse, mas o homem está farto de prometer e não cumprir. Ele farta-se de mentir e a mim parece-me que essa história de 2009 ser um ano mau não passa de uma mentira.

J: Mas com que objectivo o primeiro-ministro iria pintar um cenário negro?...
MT:
Para assustar as pessoas. Não se esqueça que para o ano há eleições legislativas e a ideia é dizer às pessoas que as coisas estão tão mal, tão mal que elas devem ter medo. E os portugueses com medo costumam votar em quem lá está, por medo de mudança.

J: Bom, parece-me algo exagerado… Então acha então que o próximo ano vai ser melhor que este?...
MT:
Não me parece.

J: Mas…
MT:
Acho mesmo que vai ser um ano péssimo. E em termos nacionais, muito francamente se pedir a minha opinião eu acho que a única solução era fazer o inventário, fechar o país e entregá-lo aos credores, obviamente. E quanto mais depressa melhor porque como sabe nas falências se a coisa não for grave, os credores ainda podem manter-nos a laborar durante algum tempo. Porque se for grave, somos todos despejados e eu pessoalmente não tenho para onde ir...

J: Isso parece-me muito exagerado. E em termos internacionais?
MT:
Aí estou mais optimista.

J: A sério?
MT:
Sim, acho que a situação pode piorar muito.

J: Você engana-me sempre, sou muito ingénuo.
MT:
Não seja convencido. Ingénuo?! Isso é um eufemismo, você é mesmo é parvo.

J: Nem tanto. Mas pode piorar como?
MT:
Uma coisa lhe posso dizer com alguma certeza e mesmo com alguma desilusão: o mundo não vai acabar em 2009. Mas vai andar lá perto e isso é um motivo de orgulho para todos nós.

J: Bom e foram os votos para o novo ano de Mauro Tristão. Bom ano também para si Mauro, até para o ano.
MT:
Bom ano para si, embora muito francamente eu não sei se você se vai aguentar para o ano. Mas quem sou eu para fazer previsões?!... Não é?...

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