17.11.03

Atenção! Atenção! Que querem matar a nação

Oh Portugal, querem acabar contigo…
É verdade. Tu, velho país, que já foste maior que o mundo, que levaste a civilização onde havia barbárie, que trouxeste o que nunca havia sido visto, que descobriste, que exploraste… Tu, grande país, que sempre soubeste viver entre o mar e os outros, subjugando e resistindo, tu, que mantiveste inalterado, por séculos de mudança, aquilo que te fez sempre ser país, ser povo e nação, ser pátria, mátria e frátria… Tu que havias de ainda de ver o dia em que não querem mais que sejas país, nem Portugal, nem nada.
Oh, meu querido Portugal, séculos de grandeza te espreitam do passado, incrédulos no teu futuro. Oh Portugal, que não percebem o que te fez grande e duradouro — porque és autêntico —, não sabem porque razão existes — porque és diferente —, não querem saber da tua essência, querem vender-te pelo menor preço…
Minado por dentro, por cobarde inimigo, vozes se levantam para sorrateiramente acabarem com tudo quanto faz de ti um país sem comparação. Não sabem que és um velho tonto — o próprio rosto da Europa, como te cantaram o Camões e o Pessoa, com as barbas de molho no Atlântico. Não te percebem, adorável brincalhão de olhos salpicados do mar bravio em noites de nevoeiro, que inventas histórias de reis que hão-de vir, para te divertires emocionado. Não sabem que és como uma criança, em busca de desejos, atrás de pulsões, saltitando sem rumo num jardim à beira mar plantado. Corres que nem um doido atrás de uma borboleta africana, para quando a apanhas, a largares de novo livre como antes, censurando os teus pais que já a queriam guardar, presa num alfinete, numa caixa inglesa. Foges de casa por tempo indeterminado e voltas magro e doente, mais pobre que antes, com o brilho nos olhos de quem viu mais que alguns olhos hão-de ver, só porque foste por outro caminho onde já todos iam!
Mas que te interessa os outros e as suas opiniões, as suas regras — para ti não há espaço, nem tempo, não há razão melhor para viver que ser livre e aventuroso e se te disserem que há ouro na lua, não há maneira de te impedir de lá ir, nem que depois te esqueças dele. Porque importante são histórias que trarás para contar, de monstros e beldades, de aventuras e crueldades, de desgraças que não aconteceram por pouco, de mulheres, oh de mulheres lindas de morrer, mais belas que todas as que já viste até hoje, só porque nunca as tinhas visto antes…
Que poderão saber de ti? Porque estás velho e tonto, pensam que já não és tu, pensam que podem colocar-te de lado como fazem aos velhos, como tu, Portugal. Porque é que não te levantas e falas? Porque não lhes mostras como é viver? Como se vive em Portugal? Mostra-lhes, a esses estrangeiros nascidos nas tuas entranhas, emigrantes da vaidade que pensam poder pôr-te na ordem como a uma criança, ou arrumar-te num canto como a um velho. Mostra-lhes a alegria de acordar, o prazer de estar mais um pouco, de esperar por ir embora, de cortar mais uma fatia de pão, de beber mais um pouco de vinho e ouvir o vento invejoso nas oliveiras do caminho. Mostra-lhes como se cumprimenta o sol sem tirar o chapéu, como se arranja comida para mais um que acabou de chegar. Explica-lhes que uma amizade não se faz com hora marcada, que o amor não obedece ao tempo, que a vontade de fazer alguma coisa é mais importante que a maneira de a fazer — que um filho não se faz por decreto. Diz-lhes como se amassa o pão — que já não sabem — porque o pão que amassamos é como a cama que fazemos, e só assim sabemos que não foi o diabo. Diz-lhes que a felicidade não é quando tudo corre bem, mas sim quando tudo acaba bem e que dá mais gozo a felicidade por um triz, que um triz de felicidade. Explica-lhes que não é por obedecer a leis que se tornam menos porcos, que não é por cumprir regras que ficam melhores, não é por andarem de nariz no ar que são mais espertos. Diz-lhes que não é por darem aos outros o nosso governo que havemos de nos governar melhor!
Oh Portugal, que século trágico para ti, este! E como tu gostas disso, sempre com a ilusão que ontem é que foi bom e que amanhã será ainda melhor… Mas pode não haver amanhã. Podes não resistir Portugal, porque querem fazer de ti um bom aluno, asseado, pontual e cumpridor, eficaz e honesto e até rico, imagina bem! Não te rias Portugal, velho tonto… Ris-te porque sabes mais que eles todos juntos… Quase mil anos de história e tradição não se apagam assim.
Resiste Portugal, resiste que quando os romanos cá chegaram já nós tínhamos o pão nosso de cada dia, o azeite que nos alumiava e o vinho que nos aquecia. Por aí não nos ensinaram nada. E os mouros só se aproveitaram os que cá moraram. Os espanhóis não se demoraram como não se demoram. E tu Portugal ainda hás-de mostrar a todos que para viver… é preciso, por vezes, dar um par de estalos na mãe, deixar para amanhã o que não vale a pena fazer hoje ou ganhar um pouco de tempo olhando para o sol, a pôr-se, por cima da praia a pensar que se houver um caminho marítimo para a lua havemos de o descobrir.

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